STJ condena médicos por falha no dever de informação ao paciente sobre risco
de cirurgia

STJ condena médicos por falha no dever de informação ao paciente sobre risco de cirurgia

Em julgamento recente, o Superior Tribunal de Justiça – STJ – condenou dois médicos, um cirurgião e outro anestesista, solidariamente à Clínica Médica em que a cirurgia foi realizada, a pagar indenização por danos morais a dois irmãos de um paciente que faleceu em decorrência de choque anafilático sofrido logo após o início da indução anestésica que precederia procedimento cirúrgico para correção de apnéia obstrutiva do sono, a qual causava problemas de "ronco" no paciente.

Vale salientar que os autores da ação de indenização – irmãos do falecido – fundamentaram o pedido não em erro médico, mas sim na ausência de esclarecimentos, por parte do médicos - (cirurgião e anestesista) - sobre os riscos e eventuais dificuldades do procedimento cirúrgico que optaram por realizar no paciente - irmão dos autores - notadamente em razão de suas condições físicas (obeso e com hipertrofia de base de língua), as quais poderiam dificultar bastante uma eventual intubação do paciente, o que,de fato, acabou ocorrendo.

Em outras palavras, não se discutiu na ação se houve ou não erro médico e nem tampouco de quem seria a culpa, se do cirurgião ou do anestesista. A questão tratou apenas à ausência do consentimento informado do paciente acerca dos riscos da cirurgia.

Todo paciente possui, como expressão do princípio da autonomia da vontade (autodeterminação), o direito de saber dos possíveis riscos, benefícios alternativas de um determinado procedimento médico, possibilitando, assim, manifestar, de forma livre e consciente, o seu interesse ou não na realização da terapêutica envolvida, por meio do consentimento informado.

Esse dever de informação decorre não só do Código de Ética Médica, que estabelece, em seu art. 22, ser vedado ao médico "deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte", mas também das regras dispostas na legislação consumerista, destacando-se os arts. 6º, inciso III, e 14 do Código de Defesa do Consumidor, bem como no art. 15 do Código Civil, além de decorrer do próprio princípio da boa-fé objetiva.

A informação prestada pelo médico deve ser clara e precisa, não bastando que profissional de saúde informe, de maneira genérica, as eventuais repercussões no tratamento, o que comprometeria o consentimento informado do paciente, considerando a deficiência no dever de informação.

Com efeito, não se admite o consentimento genérico, em que não há individualização das informações prestadas ao paciente, dificultando, assim, o exercício de seu direito fundamental à autodeterminação, ou seja, se o paciente, diante das informações dos médicos, teria decidido em fazer ou não a cirurgia.

Na hipótese ora comentada, o STJ constatou que os médicos – cirurgião e anestesista - não conseguiram demonstrar o cumprimento do dever de informação clara e precisa ao paciente acerca dos riscos da cirurgia relacionada à apnéia obstrutiva do sono, notadamente em razão de suas condições físicas (obeso e com hipertrofia de base de língua), que poderiam dificultar bastante uma eventual intubação, o que, de fato, acabou ocorrendo, levando-o a óbito.

Os médicos foram condenados a indenizar em R$ 10.000,00 para cada um dos irmãos do paciente falecido, a título de dano moral.

E para mitigar os efeitos de situações que tais o que devemos observar?

Os profissionais da saúde precisam conhecer todos os aspectos legais da medicina e ter uma visão jurídica clara de como prevenir que situações fora do planejado se transformem em ações judiciais.

Em primeiro lugar, resta claro que os profissionais de saúde não devem descuidar da gestão de risco da atividade médica e hospitalar, através da blindagem jurídica e securitária, para proteção do patrimônio e, principalmente, da carreira profissional dos médicos.

E a blindagem jurídica começa com a elaboração do Termo de Consentimento Informado, a ser assinado pelo paciente.

E como elaborar o Termo de Consentimento Informado?

Para assegurar a transparência da prática médica aos pacientes e a proteção legal para os profissionais da saúde e a instituição médica, o Termo de Consentimento Informado deve ser elaborado de acordo com as instruções abaixo:

– O termo deve ser muito bem elaborado. As informações contidas no documento precisam estar claras e transparentes e escritas com uma linguagem acessível;

– O paciente ou representante legal deve ter capacidade mental, racional e etária (a partir de 18 anos) para assinar o termo. São considerados representantes legais: os pais, tutores, cônjuge ou curadores;

– Deve conter: nome completo do médico, do paciente e da instituição hospitalar; Nome e explicação do procedimento que será realizado; Benefícios, possíveis riscos, efeitos colaterais, contra-indicações e complicações que são previstas com a intervenção médica.

– Deve informar as medicações que serão utilizadas e processos que serão realizados.

– Possibilidade de anulação do procedimento antes da intervenção médica;

– Opção para o paciente autorizar a divulgação do procedimento por meio de fotos e vídeos em publicações médicas e científicas.

– Assinatura do médico, do paciente ou representante legal e testemunhas; A autenticação do termo deve ser com a livre e espontânea vontade do paciente;

Além dos itens citados acima, é fundamental que o médico tenha uma conversa franca e transparente com o paciente. Todos os itens contidos no documento precisam ser esclarecidos e todas as dúvidas respondidas.

Cada procedimento é único, não há modelos prontos. O Termo de Consentimento Informado deve ser elaborado por um advogado especialista em Direito Médico com o auxílio do médico.

O profissional da saúde contribui com informações pertinentes ao tratamento e o profissional do Direito é responsável pelos aspectos legais do documento para resguardar o médico e o hospital de responsabilização civil em caso de alguma reação não esperada de algum procedimento.

É importante ressaltar que existem casos em que o médico não terá condições de aplicar o Termo de Consentimento Informado devido a urgência de alguma intervenção médica para salvar a vida do paciente. O Código de Ética Médica ampara o médico para essa tomada de decisão em situações de iminente perigo de vida.

Nada obstante, complementando a blindagem jurídica, a classe médica deve buscar a blindagem securitária, contratando um seguro de responsabilidade civil profissional, cujas coberturas garantem as perdas financeiras associadas à responsabilidade atribuída ao profissional, em consequência da prestação de serviços como atos, erros ou omissões e aos custos de defesas de ações judiciais, danos morais e restituição de imagem.

Informar as causas e possíveis consequências de um tratamento médico é fundamental para a saudável relação entre pacientes e a classe médica. O Termo de Consentimento Informado é direito e uma ação de transparência, lealdade e boa-fé com a vida do paciente.

Profissionais da saúde e do Direito e gestores de instituições médicas precisam ser conscientes da importância da blindagem jurídica e securitária, que são complementares entre si, constituindo os pilares de prevenção contra ações judiciais inerentes ao erro médico e à responsabilidade civil dele decorrente.

¹ https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201802689219&dt_publicacao=08/04/2022 (disponível em 23/05/2022 às 12h19)